O 4º Pacto

Publicado originalmente:

http://magic.wizards.com/en/articles/archive/uncharted-realms/lilianas-origin-fourth-pact-2015-06-17

1. O presente do Homem dos Corvos.

As trilhas e caminhos da floresta de Caligo não eram estranhas para Liliana – poucas pessoas conheciam a mata como ela e, certamente, conhecia melhor que os soldado que lutavam e morriam sob seus galhos nesse exato momento. Liliana nunca teve problemas para circular pela mata mesmo de noite. Na verdade, a companhia das corujas e rouxinóis, na escuridão da floresta, até lhe era agradável.

Mas, nessa noite em particular, a floresta havia se transformado em um campo de batalha, os únicos sons que lhe faziam companhia era o gritos dos que estavam morrendo, e o crocitar dos corvos, em frenesi, se banqueteando dos mortos.

Ela parou e procurou escutar a floresta, tentando descobrir se estava sendo seguida. Apenas um corvo pulava de galho em galho atrás dela, esperando sua morte para banquetear-se.

“esta noite não, corvo. Josu depende de mim”

Ela lembrou-se de seu irmão, na casa do seu pai, enfermo, delirando em febre. Embrenhou-se, então, cada vez mais na floresta, deixando para trás os sons da batalha. Ela iria até onde fosse necessário para encontrar a raiz de esis e curar seu irmão.

“eu vou curá-lo! E juntos, esmagaremos os invasores”

O corvo crocitou.

“não ria de mim!”, ela se abaixou procurando uma pedra para tacar no pássaro, mas ou levantar-se, ele havia sumido.

Em seu lugar, havia um homem Alto, de aparência nobre, coberto pelas sombras.

A pedra reservada para o corvo, foi atirada contra o homem, atingiu seu ombro, e caiu no chão.

Ele a fixou com seus olhos dourados.

“Eu não pretendo feri-la, Liliana Vess”

“sabes meu nome”, disse ela, desembainhando sua adaga.

Ele lhe estendeu as mãos “Seu pai é nosso senhor e general, obviamente eu te conheço”

“estás a me seguir?”

“Assim como tu, acredito que esconder-me na mata seja um melhor opção do que ser um corpo decapitado arrastado pelos cavalos dos inimigos de teu pa.

Liliana pensou ter ouvido cascos se aproximando

“tenho que ir”

“e para onde irás?”

“Preciso chegar à clareira..”

“Onde a raiz de esis costumava brotar?”

“Como tu poderias saber…”. “costumava brotar???”

“Não sabes ainda? Eles queimaram a clareira”

“os invasores?”

“as suas necromânticas. Tudo que resta agora é um campo de cinzas, onde elas praticam seus rituais e erguem mais soldados para combater teu pai”

“não pode ser”, disse Liliana dando suas costas para o homem e partiu em disparada em direção da clareira. Antes mesmo de chegar, ela já podia sentir o cheiro de fumaça. Ela parou ao ver luzes por entre as árvores.

Ela ouviu um bater de asas e, ao se virar, o homem de olhos dourados estava lá.

“tanta morte”, disse ele. “E, sem a raiz, teu irmão será o próximo”

“não! Eu não permitirei isso!” “encontrarei raiz de esis em outro lugar”

“não existe outro lugar, sabes muito bem disso”

“Estás insinuando que existe outra alternativa?” “que existe outro meio de salvar Josu?”

Ela escutou a voz do homem por trás dela, seus dedos apontando na direção das luzes.

“Tu sabes que há”

Ela não entendia. Saber o que? Ela repassou toda sua vida, todo seu treinamento nas artes da cura sob a tutela de Lady Ana, mas nada vinha à sua cabeça.

“Tu sabes muito mais do que ela te ensinou”

Então ela se deu conta do que o homem falava. Ao longo dos anos, Liliana procurara ir além do que Lady Ana lhe ensinava, envolvendo-se com um tipo de magia mais poderosa, tudo para melhorar suas habilidades de healer, logicamente.

Ela conhecia o tipo de mágica que poderia usar até as cinzas da raiz de esis para curar seu irmão.

Pelo menos em teoria.

Mas, como o homem dos corvos sabia disso?

“Eu não estou pronta” “preciso de mais prática”

“E eu tenho certeza que Josu irá esperar, enquanto completas calmamente teus estudos, correto?” .
“Tempo é um luxo que não tens” . “Tu já és poderosa o suficiente, ainda que não entendas, e serás mais poderosa ainda quando resolveres encarar teu destino e abraçar esse poder”.

Era verdade. Liliana era poderosa, muito mais do que as pessoas à sua volta podiam imaginar, mas sempre escondera esse poder por medo das reações e críticas. Abraçar esse poder, significava mandar tudo ao inferno. E, no fundo, isso lhe parecia ser bem tentador.

Liliana empurrou o homem dos corvos pelo peito “Como sabes tanto de minha mágica”. Nesse momento ela sentiu duas coisas – A magia explodindo dentro dela, como se quisesse fugir para o mundo externo e o vento frio da morte se aproximando.

“Creio que nós dois somos mais do que aparentamos”, disse o homem.

O poder brotava dentro dela como uma flor negra no pântano, magias subitamente lhe vinham à mente, se conectando e formando um plano nefasto.

“Percebes agora? A raiz de esis é uma cura, mas é apenas o caminho mais fácil. Tu conheces uma cura mais poderosa”.

Ela sabia, de fato, e se surpreendeu. O poder continuava a crescer e rebelar-se dentro dela, ela sentia o poder emanando da sujeira e podridão do pântano na proximidade. Ela estava canalizando o mana enquanto andava em direção as luzes. O homem dos corvos havia sumido.

Ao chegar na clareira, ela se depara com seis inimigos – 3 bruxas em transe, no centro e 3 guardiões, crânios flutuantes, com uma luz púrpura emanando nas órbitas vazias.

“olá, senhoras”, zombou Liliana. 

Um dos crânios voou em sua direção. 

Liliana disse algumas palavras em voz baixa, uma lâmina feita de pura escuridão saiu de seus dedos e destruiu o atacante.

As 3 bruxas abriram seus olhos pálidos e voltaram-se para ela.

Por duas vezes Liliana apontou seus dedos. Os 2 crânios restantes caíram, levantando uma nuvem de cinzas do chão.

“Belos guardiões…”
As bruxas começaram a invocar um feitiço.

Ela subitamente gritou de dor, mas o grito transformou-se em um contra ataque mágico – aos pés de cada bruxa, uma mão de energia negra surgiu, as rasgou ao meio e as levou para dentro da terra.

Aos seus pés, um brilho dourado surgiu. Ela afundou suas mãos no chão e recolheu um pedaço de raiz de esis que brilhava com a infusão de poder, obtida ao custo das vidas das 3 bruxas.

Apertando a raiz contra seu peito, ela partiu de volta para a casa de seu pai.

No caminho ela avista um pássaro e dá um sorriso sinistro.

“Obrigado, homem dos corvos”.

2. A promessa do vazio

A poção era dourada como a raiz de esis, o elixir estava pronto, era hora de salvar Josu.

“Isto não é raiz de esis”, disse Lady Ana, saindo do quarto de Josu.

“é melhor”, respondeu Liliana, enquanto escutava seu irmão delirando sobre crânios voando na floresta.

“isto cabe a mim julgar”, respondeu Ana. “como foi feito, que ingredientes foram usados?”

“Não há tempo a perder, Josu está morrendo”

“Pressa pode ser um perigo maior, às vezes, a diferença entre a cura e um veneno são os detalhes”

“Eu usei raiz de esis, com algumas melhoras”

“que melhoras?”

“Sai do meu caminho, Lady Ana! Josu precisa de mim!”

“Um aprendiz não se dirige ao seu mestre desta forma!”

“então talvez seja hora de acabar o aprendizado. No final das contas, teus poderes não são nada perto dos meus”

“poder? A arte da cura nada tem a ver com poder!”

“Achas mesmo?”, gargalhou Liliana “Pois saia de meu caminho e observe!”

E sob os protestos de Lady Ana e no meio dos delírios de Josu sobre bruxas e crânios voadores na floresta, Liliana administrou a poção.

O efeito imadiato foi que os delírios pararam, ele olhou para a irmã, deu um leve sorriso e disse seu nome “Liliana…”

Então ele disse seu nome mais uma vez, mas agora, um grito, Josu convulsionava, os olhos, dois globos negros, onde a poção tocara em sua boca, agora havia uma mancha negra, sua pele parecia secar, seus olhos sumiam nas órbitas.

“o que você fez, criança?” disse Lady Ana tirando Liliana do lugar onde estava e inclinando-se para examinar Josu.

Liliana estava em choque, sua poção, seu conhecimento, sua magia, ela tinha matado Josu.

Antes o fosse, melhor seria assim.

Lady ana expulsou os serviçais do aposento, Liliana sentou-se à cabeceira, com as mãos geladas de Josu entre as suas.

Então, as mãos de Josu escaparam e foram na direção do pescoço de Liliana.

“que dor é essa”, disse Josu, levantando-se e puxando Liliana para si, ficando face à face com sua irmã. 

“Para onde me mandastes?”

“Dói demais!!!” Gritou Josu arremessando sua irmã para o outro lado do quarto.

“Josu, perdoe-me…”

“Perdoar-te? Tu me condenastes !” disse ele pegando-a, novamente, pelo pescoço “tu me condenastes ao tormento eterno!” Ele a largou e começou a rasgar sua própria carne. Nenhuma gota de sangue surgiu.

Liliana tentou fugir, mas, mais uma vez, ele a alcançou e a colocou contra a parede.

“deixa-me ajudar-te!”

“Ajudar-me? Eu estou perdido no vazio Lili, e você vai juntar-se a mim, nele”

Liliana disparou uma rajada de escuridão que arremessou Josu por sobre a cama. Ele se levanta, a escuridão parece ser absorvida por sua pele. “Então minha irmanzinha aventurou-se pela necromancia?” “e me transformou nisso!”, disse ele apontando para ela, e uma rajada de sombras disparou na direção de Liliana.

Ele levantou as mãos tentando se proteger, as sombras a atingiram, queimando até sua alma e espalhando-se na parede atrás dela. Embora ela sentisse um frio enorme, parecia que a magia de Josu causara mais estragos na parede do que nela.

O caos tomava conta de sua casa, os serviçais corriam e gritavam. Liliana tentava encontrar uma solução enquanto lançava magia atrás de magia contra Josu, que as refletia e contra atacava, destruindo tudo e matando os serviçais à sua volta.

Os ataques de Josu a enfraqueceram ao ponto em que ele a conseguiu aprisionar, levantando-a no ar, envolta em sombras que a sufocavam e a enterravam viva.

“Junte-se a mim, irmã, e todo o tormento do vazio será nosso, para sempre”

Tudo parecia perdido, quando, subitamente, algo dentro de Liliana despertou, um centelha de escuridão sem fim, ao mesmo tempo quente como o sol e fria como a morte, negra e infinita, como o vazio, mas viva, o poder da criação e da destruição. Esse novo poder era sua chance.

Sua alma queimava, a magia de Josu já não conseguia mais segurá-la. Ela abriu seus olhos e viu Josu sem reação, em choque. Ela estendeu as mãos e todos os corpos na sala levantaram-se. A massa de zumbis se lançou sobre Josu, o subjugando.

Enquanto Josu lutava contra os Zumbis, Liliana sentiu como se estivesse sendo arrancada do mundo que conhecia, e sendo jogada em um mundo desconhecido.

Sua casa havia sumido, ela agora encontrava-se em um pântano.

3. Um dia, já fomos deuses

100 anos se passam, desde o dia em que Liliana ascendeu, por mais poderosa que ela fosse, não era imortal. O peso da idade se fazia sentir, a morte estava à sua espera, ela precisava de uma saída.

Ela mal havia abandonado o plano anterior, mal tocara no mármore do chão do salão em que se materializava, quando veio a voz:

“Estás atrasada!” (nota- you´re late no original, significa está atrasada. Porém, pode-se interpretar como “está falecida”)

“Ainda não” “Nem nunca estarei, se tu me ajudares como prometido”

O chão tremeu com a gargalhada do Dragão.

“eu posso te ajudar, Liliana Vess. Mas imortalidade é algo que já não pode ser alcançado por nós”

“isso vindo de um Dragão de 30.000 anos…”

“Como decaímos”, ele interrompeu. “Um dia, já fomos Deuses, vagando pelos planos da existência”.

Liliana entendia muito bem, ela havia ascendido, experimentado um poder incomensurável, subjugando mundos com seu poder a fazer sua vontade e experimentado a imortalidade.

A única coisa que parecia fora de seu alcance era salvar Josu.

Então, o multiverso mudara, os Planeswalkers foram roubados de grande parte de seus poderes e de sua imortalidade.

“Ajude-me, Bolas. Eu posso sentir a morte se aproximando”

“Eu acredito que possas sentir mesmo, afinal, vocês duas foram boas companheiras por todos esses anos”

“Uma ferramenta, nunca uma companheira. Algo a ser usada contra os outros, não para ser amada”

“Eu tenho certeza que uma certa ex-professora discordaria de ti”, o chão tremeu mais uma vez. ” O que não entendo, é que convivestes com vampiros e liches. Poderias ter aceitado a morte e continuado a existir, sem se preocupar com sua chegada agora”

“uma rainha não governa um povo, sendo um deles. Se isso fosse do meu interesse, eu estaria em Innistrad, não aqui. Irás me ajudar ou não?”

“Já te disse – posso pôr-te em contato com os que podem ajudar-te”

“4 Demônios, o preço – minha alma, a ser recolhida na minha morte…”

“Não é tão simples assim”

“Claro que não, nada o é, quando tu estás envolvido, não é, Bolas?”

“Muito pelo contrário. Existem muitas coisas que eu acho extremamente simples e triviais, a questão é que tu jamais conseguirias compreendê-las”

“Tua modéstia é algo impressionante”

“São apenas fatos, Liliana Vess, afinal, és somente uma humana”

“eu preciso de meu poder de volta! Meu poder, minha juventude e minha força, mesmo que custe minha alma, Bolas”

“ótimo, pois o que terás pela frente, não poderia ser suportado por alguém que tivesse uma.” Disse o Dragão. “Eu me pergunto é se tu aindas terias uma alma para ofertar, afinal, estamos falando de alguém que estudou com os maiores Necromânticos de todos os planos, matou anjos e até derrotou aquele que te botou neste caminho. Como tu o chamavas? O homem dos corvos?”

Liliana parecia, pela primeira vez, apreensiva. Bolas estava certo e isso a atingiu. Desde seu encontro com o homem dos corvos, sua vida tinha sido uma espiral descendente rumo às trevas. Ela se deu conta de que a única coisa que a separava dos grandes vilões do multiverso, era agora, esse instante hesitante antes de tomar uma decisão, onde tudo poderia mudar.

“Vamos logo com isso”, ela disse ao dragão.

4. Escrito em sua pele.

Pela quarta vez Bolas levava Liliana de seu plano, para um mundo desconhecido. Três pactos, com três demônios diferentes, já haviam sido firmados.

E ela continuava velha.

E ali estava ela, em um salão iluminado por chamas, que apagaram-se assim que Bolas partiu.

O quarto demônio surgiu na sua frente.

“Liliana Vess…”

“sabes meu nome… interessante. Acredito, então, que podemos dispensar as formalidades?”

O demônio riu. “De fato. Pelo que entendi, eu seria o seu quarto benfeitor. Os outros acordos lhe pareceram bons?”

“Estou satisfeita”, ela respondeu lembrando que Bolas a alertara para não compartilhar nenhuma informação de outros demônios com o que ela estivesse tratando na hora.

“oh, está? Então podemos esquecer o nosso? Já que estás satisfeita…”

“eu estou satisfeita com o que consegui em cada acordo, assim como tenho certeza que será o nosso caso.”

“só que eu serei o seu mestre mais severo, Liliana. Eu tenho grandes planos para ti. Se tu não tens certeza, recua! Já obtivestes um enorme poder…”

“não é o suficiente” – Bolas a havia alertado: se ela tentasse desfazer uma barganha com um demônio, ele estaria livre para matá-la. E ela sabia que mesmo com todo o poder que já conseguira, não seria páreo para Kotophed.

Então, o salão sumiu, e Liliana se viu em uma planície desolada. Corpos espalhados até perder de vista e corvos se alimentando em frenesi.

Kotophed surgiu atrás dela e sussurrou em seu ouvido: “eu sou tua morte – mate-me, e nunca morrerás!”

Bolas havia lhe dito que o demônios haviam assumido um pacto de não matá-la, se ela mantivesse o protocolo, mas kotophed parecia disposto a fazê-la deslizar desde o início.

Liliana resolve reagir – invoca os corvos, revive os corpos presentes invoca espectros e lança todos contra Kotophed, que passa por eles sem esforço e a imobiliza.

O hálito gelado do demônio anestesiava sua pele, suas garras furavam sua pele. Ele a levantou – uma enorme mão a imobilizava pela cabeça. Com sua outra mão, cum uma de suas garras, Kotophed passou a rasgar a pele de liliana, raspando os ossos.

O demônio arrancou a pele dela como se fosse a de um coelho abatido para uma refeição.

E para sua surpresa, o que havia por baixo da sua pele, era a sua pele de jovem. Sua pele, suas formas, sua postura, sua beleza, estavam lá, magicamente recuperadas.

“O que foi isso?” “um teste?” “eu não compreendo”

O demônio gargalhou, e a encarou com seus olhos amarelos: “não, não foi um teste. Foi uma lição. Uma lição que você nunca esquecerá.

Ele tocou o rosto dela com uma de suas garras. “Fique quietinha, eu ainda não terminei com minha parte no trato”

E com sua garra, ele passou a tracejar desenhos pela pele de Liliana.

Tu é uma planeswalker, o que faz de ti um ser superior. Tu és uma das mais poderosas magas de todos os planos, o que faz de ti uma ser extraordinário. Mas tu não és nada perto de mim. Se tu ousares me desafiar, eu te arrancarei a pele, e dessa vez não haverá uma jovem por baixo.”

As linha tinham um brilho púrpura, como se o poder que elas lhe davam, vazassem por elas. A despeito da dor e das ameaças do demônio, ela sentia que a ameaça da morte sumira.

Ela era jovem, poderosa, e assim seria por eras a vir.

Uma parte sua, no entanto, sabia que kotophed seria um problema. O demônio, porém, cometera o erro de subestimá-la, como muitos outros antes dele. 

A sua missão agora era derrotar cada um deles e fugir dos pactos.

Era seu destino.

Ela sabia disso, como se tal conhecimento fosse parte de sua pele.

Como se estivesse escrito nela.

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